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Maceió: Prefeitura sabia que área de risco crescia desde setembro, mostra ofício sigiloso
Braskem também foi alertada sobre movimentação do solo com antecedência, mas se opôs à ampliação do mapa de áreas de risco
A Defesa Civil de Maceió tinha conhecimento de que a movimentação do
solo na região do bairro do Mutange vinha aumentando desde o fim de
setembro, mais de dois meses antes de tornar a informação pública no
último dia 29.
O afundamento, que já chegou a 1,8 metro em menos de uma semana,
também chegou ao conhecimento da petroquímica em novembro, mas a
companhia se negou a tomar providências imediatas.
Um documento sigiloso obtido pela equipe da coluna, o ofício 774 da
Defesa Civil, com data de 13 de outubro, mostra que o órgão já havia
constatado que uma região no entorno da mina 18, na orla da Lagoa de
Mundaú, estava se mexendo muito antes da informação se tornar pública.
Ofício da Defesa Civil de Maceió encaminhado aos órgãos de controle com solicitação de sigilo — Foto: Reprodução
O documento não muda a classificação de risco da mina, mas informa
que seria necessário incluir na área de monitoramento o bairro de Bom
Parto, onde moram quase 300 famílias. O ofício também inclui mais
trechos na classificação de máximo risco, batizada de “criticidade 00”.
Essas mudanças seriam refletidas em um novo mapa de risco elaborado pela
Defesa Civil.
Nada disso, porém, foi divulgado ao público até o último dia 30,
quando a Justiça Federal concedeu uma liminar mandando que fosse
divulgada a nova versão do chamado do chamado mapa de linha de ações
prioritárias de Maceió, que mapeia as regiões de risco, “acompanhado de
plano de comunicação” que garantisse “informação adequada aos moradores
atingidos”.
Trecho
em que prefeitura de Maceió reitera pedido para que dados sobre
movimentação no solo permanecessem em sigilo até a conclusão de 'todos
os trâmites legais' — Foto: Reprodução
Só então os moradores de Maceió ficaram sabendo do que havia sido
comunicado pela própria Defesa Civil em 21 de setembro ao MPF, o MP de
Alagoas, a Defensoria Pública da União, a Defesa Civil do estado e a
nacional, que integra junto com a divisão estadual um comitê técnico
para acompanhar o caso da Braskem.
Na ocasião, foi relatado que o monitoramento da prefeitura detectou
"movimentos persistentes na região da lagoa" e que não havia mais
dúvidas quanto à necessidade de atualização mapa das regiões de risco,
cuja última versão datava de dezembro de 2020.O Ministério
Público Federal, então, exigiu que a Defesa Civil divulgasse
imediatamente que a área seria ampliada, mas os representantes do órgão
pediram um prazo, que terminou em 13 de outubro.
No ofício enviado em outubro, porém, a prefeitura explica as mudanças
mas pede que elas sejam mantidas sob sigilo, alegando que a antecipação
da divulgação de “dados sensíveis” traria “transtornos” à população.Questionado
pela equipe do blog, o procurador-geral de Maceió, João Lobo, disse que
o município manteve os órgãos de controle informados sobre a situação a
todo o momento e buscava apenas a melhor forma de comunicar a população
acerca dos riscos.“A ideia era comunicar já oferecendo a a solução do problema para evitar tumulto desnecessário” afirmou Lobo.Segundo
ele, não havia necessidade de realocação da população, que a liminar da
Justiça determinou que fosse feita em caráter voluntário, e o colapso
da mina não afetará essa nova área, que não estava em risco.
“O município em momento algum escondeu dos orgãos de controle. A
gente só estava buscando formas de divulgar essa informação para que não
houvesse uso político”.Na ocasião da reunião de setembro, tanto
o MPF quanto o MP estadual determinaram que a prefeitura comunicasse a
população sobre os riscos até o dia 13 de outubro, o que só ocorreu no
dia 29 de novembro.Também foi acordado que a Defesa Civil
atualizaria o mapa das áreas de risco, mas o novo desenho não foi
publicado dentro do prazo. A mudança só foi garantida por uma liminar da
Justiça após uma ação civil pública movida pelos procuradores e
promotores que acompanham o caso contra a prefeitura e a Braskem.
Segundo apurou a equipe do blog, o MPF também alertou a empresa sobre
o risco de colapso em meados de novembro e cobrou a colaboração da
petroquímica na realocação dos moradores de áreas que teriam o nível de
risco agravado pela Defesa Civil e a inclusão deles no Programa de
Compensação Financeira e Apoio à Realocação da companhia.Na
ocasião, porém, a companhia se recusou a fazer qualquer alteração e
alegou que todas as medidas de segurança já haviam sido tomadas.A
liminar da Justiça que atendeu à ação do MPF e do MP alagoano intimou a
Braskem a inclusão de todos os moradores das regiões que passaram a ser
contempladas na criticidade 00 no novo mapa da Defesa Civil no
programa.
Na decisão, o juiz federal substituto ngelo de Miranda Neto
determinou ainda que a Braskem garantisse “a justa e integral
indenização por danos morais e materiais, além dos benefícios
temporários para viabilizar a realocação com dignidade, com a
atualização monetária correspondente”.O solo da região da lagoa,
no entorno da mina, já afundou 1,8m desde a segunda-feira passada (28),
de acordo com a Defesa Civil da cidade. No dia seguinte, a Defesa Civil
e a própria Braskem alertaram sobre o risco iminente de colapso de uma
das 35 minas da empresa em Maceió.As 26 famílias que ainda
remanesciam no bairro do Mutange, um dos cinco esvaziados após o
aparecimento de rachaduras e instabilidade no solo, tiveram que deixar
suas casas.Até agora, já foi preciso realocar cerca de 60 mil pessoas e evacuar mais de 14 mil imóveis em cinco bairros da cidade.