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Pedido de vista adia decisão do TCU sobre privatização da Eletrobras
O TCU (Tribunal de Contas da União (TCU) adiou em uma semana a decisão sobre a privatização da Eletrobras. O processo foi paralisado nesta quarta-feira (15) com um pedido de vista do ministro Vital do Rego. "O MME [Ministério de Minas e Energia] não deixou claro qual será o impacto tarifário quando a privatização ocorrer", disse Vital durante a sessão plenária.
Para ele, há problemas de cálculo no valor do bônus de outorga (R$ 23,2 bilhões) que será pago pelas usinas da Eletrobras que deixarão de operar com regime de subsídios e cotas migrando para o ambiente livre, em que o preço da energia segue as regras do mercado.
O ministro Walton Alencar considerou que seria prudente que o processo fosse apresentado em uma reunião extraordinária para evitar a erosão do valor das ações e um atraso no cronograma da privatização. "O mercado está entendendo que o TCU está barrando a privatização da Eletrobras", disse Alencar. O governo espera realizar a venda das ações da Eletrobras na Bolsa em maio.
Após o voto do relator do processo, o ministro Aroldo Cedraz, Vital do Rego elencou muitos pontos controversos em aberto e pediu mais tempo para analisar o caso. Em seu voto, Cedraz apresentou uma série de questionamentos sobre o modelo definido pelo BNDES e que, segundo o ministro, pode colocar em risco o bolso do consumidor. Cedraz apresentaria o relatório e seu voto na semana passada, mas recebeu um ofício de deputados de oposição com suspeitas de irregularidades no processo de desestatização da estatal de energia na manhã da sessão plenária e, por isso, retirou o caso da pauta.
Um atraso de uma semana não significa um revés para os planos do governo Jair Bolsonaro (PL) de realizar o leilão –venda das ações em posse da União na Bolsa– em maio de 2022. Parte dos ministros do TCU quer ajudar o governo a levar adiante a venda do controle da Eletrobras, um projeto que se arrasta desde o início do governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). Outros avaliam que há problemas graves que precisam ser mais bem discutidos.
A proposta do relator era fatiar o processo em fases, algo que poderá inviabilizar o leilão no primeiro semestre de 2022. Para o governo, esse será um cenário ruim porque, a partir de abril, a campanha eleitoral já estará ganhando as ruas. Cedraz propôs que, em uma primeira etapa, fossem votadas questões sobre as quais existe consenso. Já se chegou a um acordo, por exemplo, a respeito do preço da energia no curto e no longo prazo –R$ 233 por megawatt-hora (MWh) e R$ 172 por MWH, respectivamente.
Também não se discute a obrigatoriedade de aplicação de recursos na recuperação de bacias hidrográficas e matas ciliares, primordialmente do rio São Francisco. No entanto, não se sabe sobre impactos ambientais que serão resultantes desse processo, tampouco a situação exata de cada bacia hidrográfica, algo que, segundo o ministro, ainda está sendo preparado pelo MME (Ministério de Minas e Energia) e pelo do MMA (Ministério do Meio Ambiente).
Na lista de problemas, Cedraz elencou especialmente questões técnicas como o valor das garantias físicas e a potência das hidrelétricas, algo que teria levado a uma superavaliação do preço da Eletrobras de pelo menos R$ 10 bilhões. O ministro também questionou a antecipação de R$ 5 bilhões dos recursos resultantes da privatização para conter o reajuste da energia no próximo ano, e até se o processo de fato será conduzido de forma a garantir a manutenção do preço da conta de luz.
Essa redução na tarifa ocorrerá por meio de um depósito na CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que, ao término da operação de privatização da estatal, contará com R$ 29 bilhões. Uma parte (R$ 5 bilhões) seria antecipada para amenizar o preço da energia já em 2022, ano eleitoral.
Além disso, como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, os maiores geradores e os principais consumidores de energia encaminharam uma carta ao MME, BNDES e EPE (Empresa de Pesquisa Energética) para reclamar que a modelagem de privatização da Eletrobras considera dados que permitirão ao governo receber entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões a mais do que o devido no processo de venda de ações, previsto para o próximo ano.
Essa diferença se deve a uma redução drástica da quantidade de energia que as hidrelétricas da Eletrobras conseguiram comercializar durante a crise hídrica (cerca de mil megawatts) e que não foi levada em consideração no cálculo do valor do negócio.
O MME está reavaliando essas distorções e o assunto é um dos principais a serem questionados por Cedraz. Segundo relatos, para o ministro do TCU existem dúvidas sobre os ganhos adicionais que as hidrelétricas da Eletrobras poderão ter em breve com a comercialização de lastro de capacidade (potência).
São essas dúvidas que levaram a área técnica do TCU a recalcularem o valor da operação com um desconto de 9% –em vez de R$ 62,4 bilhões, o negócio seria de R$ 56,8 bilhões. Com a redução, o bônus de outorga cairia de R$ 23,2 bilhões para R$ 21,4 bilhões.
"Se as usinas aceitam pagar R$ 23,2 bilhões em bônus para o governo é porque estão cientes que o investimento [para migrarem os contratos para o mercado livre] terá retorno", disse Cedraz. "Os interesses da União precisam estar alinhados com o dos consumidores, dos contribuintes." Por isso, o ministro pediu estudos mais detalhados do Ministério de Minas e Energia demonstrando o que ocorrerá com as tarifas caso o bônus de outorga seja de R$ 23,2 bilhões.
Técnicos do tribunal afirmam que Cedraz se opõe a um novo tratoraço do governo em uma privatização tão relevante. Mencionam as discussões do leilão da telefonia 5G, em que o ministro das Comunicações, Fábio Faria, pressionou o ministro Raimundo Carreiro, relator do caso, para que a área técnica entregasse o processo para a votação no plenário em 50 dias depois de ter sido enviada pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
Ao final, os ministros formaram consenso sobre a proposta enviada pela Anatel, contrariando diversos pontos da área técnica do próprio TCU. Na ocasião, Cedraz pediu vista, o que paralisou a votação por alguns dias, mas acabou derrotado. O 5G era uma arma política para o governo Bolsonaro e para Faria disputarem as próximas eleições. Ambos precisavam que o leilão ocorresse neste ano.
O certame trouxe novos concorrentes regionais para o mercado e movimentou quase R$ 47 bilhões em lances com compromissos de investimentos para a massificação do 4G em todo o país, além da conexão de escolas públicas com tecnologia de quinta geração.
A pressa, no entanto, fez com que as escolas ficassem atreladas à faixa de frequência de 26 GHz (gigahertz), ainda pouco explorada em nível global e que gera custos elevados de operação. Frequências são avenidas no ar por onde as teles fazem trafegar seus dados e cujo direito de uso foi arrematado no leilão. O resultado na faixa de 26 GHz foi o esperado: sobra de frequências. Somente metade dos recursos previstos será destinada às escolas, algo em torno de R$ 3 bilhões.
Fonte: TNH1