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Suposto parente de Zumbi na Serra da Barriga neste sábado

Mendes Geleju Adelabu III já previu até vitória de governador e fala sobre eleições 2022; para estudiosos, há controvérsias

20/11/2021 18h06
Suposto parente de Zumbi na Serra da Barriga neste sábado
“Meu pai era soba, que significa rei. Recebi esse título de monarca que é chamado de Geleju Adelabu. E rei, por dinastia, pois sou tetraneto de Zumbi dos Palmares” - José Mendes Ferreira Gelebu Adelab - Foto: Sandro Lima

A Serra da Barriga, patrimônio cultural, etnográfico e paisagístico brasileiro — localizada no município de União dos Palmares, Zona da Mata alagoana — em meio às celebrações tradicionais aos ancestrais neste dia 20 de novembro consagrado à Consciência Negra, receberá, além de turistas e nativos, um rei.

José Mendes Ferreira, 82 anos, é seu nome de batismo. Mas há algo nele que o difere dos chamados ‘pobres mortais’ por aqui. Enquanto pede a coroa a um dos auxiliares para se adornar para as imagens e fotos desta reportagem da Tribuna, ele sustenta que é descendente direto de ninguém menos que Zumbi dos Palmares, o icônico líder do Quilombo dos Palmares, que ganhou respeito e admiração de seus compatriotas quilombolas por volta de 1675. Isso devido as suas habilidades como guerreiro, aliadas a qualidades como liderança e conhecimentos de estratégia militar para defender o Quilombo do ataque das tropas portuguesas e lutar pela liberdade de culto e religião, bem como pelo fim da escravidão colonial no Brasil.

Além de sustentar que é, sim, tataraneto de ninguém menos que o próprio herói dos quilombos, Mendes reafirma ser o único rei negro no Brasil.

“Minha descendência com Zumbi é consanguínea. Ele é meu tataravô. Zumbi viveu com três mulheres e uma delas era a africana Ade Lola, minha tataravó, princesa e primeira esposa de Zumbi, mas ficou na história como prostituta devido à falta de conhecimento das pessoas”, defende.

“Só uma foi reconhecida como esposa e se chamava Maria Paim. Na África, por exemplo, um rei pode ter dez, vinte ou trinta esposas, mas aqui, por falta de conhecimento, essas pessoas nossas não têm a cultura e desconhecem esses pormenores. Vivi na África por mais de vinte e dois anos e lá tem essa cultura”, explica Mendes.

A pronúncia, escrita e a deferência à realeza de “primeiro e único rei negro no Brasil” é, por assim dizer, desta forma: Geleju Adelabu III.

Mendes explica que a expressão “Adelabu III” é assim denominada porque o Adelabu II é seu tio e que, por tabela, foi um rei na Nigéria.

“Meu pai era soba, que significa rei. Recebi esse título de monarca que é chamado de Geleju Adelabu. E rei por dinastia e tetraneto de Zumbi dos Palmares”, complementa.

ÁRVORE GENEALÓGICA PARA PROVAR


Para ratificar sua realeza e dinastia de Zumbi, Mendes reforça que tudo foi devidamente estudado através de sua árvore genealógica da seguinte forma:

Como tetraneto do Rei Zumbi dos Palmares e Sumo Sacerdote do Candomblé, sua genealogia se explicaria com o Rei Soba (Rei) Gungardin, nascido em Janga, em Angola, na África, casado com a Princesa Cuxica, nascida em Benguela, também em Angola.

Ganga Zumba, nascido na Serra dos Macacos, em União dos Palmares, foi casado com a Princesa Alaquetuche, filha do Rei da Guiné.

E o soba, Rei Zumbi dos Palmares, foi casado com a princesa africana Ade Lola, da cidade de Ijebu Ode, no estado de Ogun, na Nigéria, também na África. E com a branca fazendeira Maria Paim, a que consta na história como mulher oficial de Zumbi. “Com a princesa Ade Lola teve cinco filhos, entre eles a minha trisavó: Zimba Gana, princesa brasileira conhecida como Dandara, nascida em 1758”, afirma o rei negro.

“Zumbi dos Palmares é tão brasileiro quanto eu”, completa.

A Tribuna tentou falar com Edson Moreira, um dos renomados historiadores, pesquisadores e estudiosos das tradições de matriz africana em Alagoas, a quem foi atribuído a incumbência de ter ratificado a árvore genealógica de José Mendes Ferreira com Zumbi, mas a reportagem não teve sucesso.

Calhamaço de títulos para comprovar majestade


O fato é que o denominado rei negro mostrou documentos, títulos e homenagens de um general de Brigada do Exército a certificações e decretos no Brasil e África, que Mendes exibe com orgulho.

Além de exercer fielmente sua majestade enquanto um Obá Sobá, Mendes tem formação ainda como advogado, sociólogo, antropólogo, teólogo e professor de história em uma das mais prestigiadas universidades do País, a Universidade de São Paulo (USP), isso sem contar títulos e condecorações recebidos, como Comendador da Academia Santa Hele de Humanismo e Historia – 1971 / Rio de Janeiro; Grão Cruz da Legião Garibaldi, em 1983, no Rio Grande do Sul, e Personalidade Brasileira dos 500 anos do Centro de Integração e Empresarial de São Paulo, em 2000.

Búzios revelam nome de governador nos “anos de chumbo”: deu Suruagy

Mendes diz ter nascido no Muquém, uma das poucas comunidades remanescentes do Quilombo de Palmares e patrimônio da memória afro-indígena do Brasil, no entorno da famosa Serra da Barriga, no município de União dos Palmares.

“Foi lá no Muquém que durante minha infância descobri minha paranormalidade e o dom para ser sacerdote do culto aos ancestrais e aos orixás”, afirma.

E nascia ali, no Muquém, talvez, a iniciação do que se tornaria o tal Rei Negro do Brasil, que significa Obá Sobá (um orixá muito poderoso e que, mesmo sendo feminina, tinha força suficiente para vencer vários orixás masculinos durante uma luta ou chefe de povo ou de pequeno Estado africano).

Com sua paranormalidade ou mediunidade aguçada, não demorou muito para Mendes, ainda jovem, despertar o interesse das pessoas e, principalmente, da classe política por essas bandas.

E foi justamente no auge do período da ditadura militar, no início e meio do regime ditatorial no país nos anos 1970, que Mendes se notabilizou como um “revelador” de segredos. Foi assim que, manuseando os búzios, Mendes então se notabilizou.

“Eu disse em 1974 que o próximo governador de Alagoas seria o jovem político Divaldo Suruagy. Muita gente duvidou, porque havia muitos nomes e ele ((Divaldo) era o mais humilde da lista”, lembra. “Mas no ano seguinte, não deu outra. O Divaldo foi escolhido governador de Alagoas”, completa Mendes. Nessa época, justamente pelo regime ditatorial vigente, o nome de qualquer governador no país era escolhido pelo presidente da República, pois não havia eleições diretas.

A suposta revelação de Mendes em relação a Suruagy já havia virado notícia em alguns jornais da época, como o semanário “O Estado de Alagoas”, cujo diretor era o polêmico deputado Mendonça Neto.

O fato é que a tal revelação confirmada tornou o futuro rei negro do Brasil conhecido em todo Estado de Alagoas e a partir dali ele sempre era um bom motivo para estampar as páginas de jornais.

Desafiado pela reportagem a revelar e cravar quem seria o futuro governador do Estado em 2022, Mendes, no entanto, ponderou: “Como eu vou ficar uns dias aqui em Alagoas posso fazer isso, mas os búzios têm que ser bem jogados, não pode fazer isso feito um fantoche. Mas posso fazer isso com muito prazer para vocês”, adiantou.

Estudiosos dizem que há controvérsias e faltam provas


Em meio a toda pompa que normalmente acompanha qualquer pessoa que carregue um título de nobreza, no caso do Rei José Mendes Ferreira Geleju Adelabu III isso está longe de ser uma unanimidade por aqui.

Procurado pela Tribuna para opinar sobre a legitimidade de Mendes como “rei negro do Brasil”, o professor de História e pesquisador de raízes africanas Zezito Araújo disse que respeita os títulos atribuídos a Mendes, mas afirma que o título de “rei” não tem “representatividade” na maioria do movimento negro alagoano. Quanto à alegação de Mendes de que é descendente direto de Zumbi, Zezito também é enfático: “Olha se ele diz que é um descendente de Zumbi, todo nós que nascemos no entorno da Serra da Barriga também podemos dizer que somos legitimamente descendentes de Zumbi. Digo isso porque até hoje não há nenhuma documentação ou comprovação plausível de que Zumbi deixou algum descendente direto. Dessa forma, eu também me considero até mais parente do Zumbi, porque nasci justamente na serra onde ele veio ao mundo e nem por isso nunca andei dizendo que era parente ou me apropriei desse fato para andar por aí dizendo isso”, diz o historiador.

“Mas ressalto que o movimento negro tem suas diferenças, como democraticamente deve ser, porque ninguém é obrigado a pensar igual”, completa Zezito.

Para o professor Clébio Araújo, que leciona Cultura Afro-brasileira na Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), ainda não existem até agora provas materiais que comprovem algum parente direto de Zumbi dos Palmares, “mas acredito são legítimos os títulos e honrarias que o José Mendes recebeu na África, embora não sejam totalmente reconhecidos pelos critérios das comunidades de matriz africana, principalmente aqui em Alagoas”, pondera Araújo.

“Acho que essa dificuldade que o José Mendes tem para ratificar esse título de rei ou suas honrarias adquiridas na África, se deve a sua ausência e principalmente diálogo com as comunidades negras e de religiões de matriz africana em Alagoas, uma vez que ele passou quase trinta anos fora do Estado”, completa o professor da Uneal.

Além de participar das celebrações alusivas ao 20 de novembro, o rei negro volta a Alagoas depois de quase 30 anos fora do Estado. Ele veio participar das cenas do filme ‘Rei Zumbi’ que está sendo rodado no Quilombo dos Palmares.














Fonte: Tribuna Independente / Texto: Wellington Santos