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Prefeitura de Maceió acaba com 'máfia dos túmulos fantasmas'
Município demite servidores e cria Central de Sepultamentos para evitar comercialização clandestina de jazigos e gavetas
Uma suposta “máfia dos túmulos fantasmas” que há anos desafiava os prefeitos de Maceió, dominava o controle dos jazigos e gavetas nos oito cemitérios municipais da capital, foi desarticulada. Pelo menos 12 servidores já foram demitidos e outros estão sob investigação administrativa, sigilosa.
Nos cemitérios ainda há um clima de medo. Ninguém quer falar das ações e do comércio ilegal de túmulos. Os “mafiosos” inventavam defuntos para alegar a falta de sepulturas. O problema era sanado mediante pagamento de propina. O prefeito JHC (PSB) e o gestor dos cemitérios públicos, Cristiano Lyra, confirmaram o problema desarticulado. Eles afirmam que a corrupção nos cemitérios públicos de Maceió é coisa do passado. Segundo o gestor, acabaram o pagamento de propina e o problema da falta de túmulo. “Tudo agora é controlado por computador”, revelou Lyra.
Em anos anteriores, para conseguir sepultar nos cemitérios públicos, as famílias peregrinavam, imploravam para os gestores, políticos, pagavam suborno aos funcionários dos cemitérios. O mercado clandestino dos jazigos tinha o braço forte de servidores da prefeitura que ocupavam postos estratégicos. Com a desarticulação do grupo, rapidamente apareceram mais de 2 mil vagas, revelou uma fonte da prefeitura.
Descobriu-se que a falta de vagas, na verdade, fazia parte do esquema para cobrança de propina de até R$ 500. O negócio envolvia novos espaços abertos nos cemitérios, jazigos de particulares e até de instituições religiosas. Uma das vítimas foi Igreja Católica, que teve seus terrenos invadidos, vendidos e/ou alugados.
Quando a Arquidiocese buscava um jazigo, ficava sabendo que estava ocupado. Os servidores mais antigos da administração dos cemitérios sabiam do esquema, mas não denunciavam com medo de represália dos envolvidos. Com a auditoria interna e implantação de nova ordem de contratação de servidores comissionados, de funcionamento administrativo e gerenciamento, o prefeito JHC fez o que seus colegas anteriores não conseguiram: assumiu o controle também dos oito cemitérios municipais.
No mapeamento dos espaços, foi constatado que os cemitérios estavam repletos de “covas e gavetas fantasmas”: no papel todas estavam ocupadas. No entanto, não havia ninguém enterrado nelas e eram usadas para o esquema clandestino. As famílias, desesperadas para sepultar, se sujeitavam à corrupção.
Algumas souberam da ilegalidade do negócio, mas, por necessidade e desespero, cediam ao pagamento de propina. Havia caso das famílias esperarem até cinco dias por vaga. Os defuntos ficavam em geladeiras do Instituto Médico Legal (IML). A maioria dos servidores que intermediavam o negócio foi identificada.
Pelo menos 12 funcionários municipais foram demitidos por envolvimento, desvio de conduta funcional e outros continuam sob investigação administrativa. Entre as práticas, há a acusação de comércio clandestino de jazigo, vagas e gavetas de concessionários antigos, de entidades religiosas e corrupção. Boa parte das “tumbas fantasmas” foi devolvida aos seus verdadeiros proprietários, entre eles a Arquidiocese de Maceió.
CENTRAL
Para conter novas ações, a prefeitura criou a Central Única de Sepultamento. De imediato, conseguiu acabar com a angústia das famílias, principalmente as mais pobres, que, além da dor pela morte de um parente, ficava sujeita à humilhante peregrinação em busca de local para sepultamento.
Apesar da grande quantidade de óbitos na capital por causa dos casos de coronavírus, o controle dos jazigos gerou mais de 2 mil vagas nos cemitérios e acabou com o vexame. Pela Central Única de Sepultamento, os enterros ocorrem em cemitérios próximos às residências das famílias dos mortos.
Não há mais cobrança especial de aluguel ou para ocupação de jazigos por causa das supostas superlotações nos cemitérios e não existe mais pagamento de taxas extras. As taxas são compatíveis com a realidade econômica com a dos trabalhadores de baixa renda e são pagas em boletos oficiais. Quem estiver em situação de vulnerabilidade social consegue sepultamento bancado pela prefeitura, via Secretaria Municipal de Assistência Social.
Estratégia
A ideia da criação da central de sepultamento foi do coordenador-geral de Gestão e Serviços Funerários, Cristiano Lyra. A Gazeta conversou com ele, que confirmou a desarticulação do grupo que agia nos cemitérios e a demissão de servidores. Na primeira semana de gestão dos cemitérios, Cristiano percebeu o modelo arcaico de verificação dos espaços, agendamento de vagas e o drama das famílias que madrugavam nos cemitérios.
Ao identificar indícios de irregularidades incompatíveis com a gestão dos cemitérios, modificou o sistema de trabalho e de controle funcional. Apesar da grande quantidade de sepultamentos de vítimas da Covid-19, com o processo de administração e gerenciamento via Central Única de Sepultamentos foi possível criar vagas e agilizar a construção de gavetas verticais para resolver o problema da falta de covas.
Os cemitérios também estavam em situação degradante, em que os animais reviravam as covas e deixavam os restos mortais espalhados. JHC determinou a interdição interna dos cemitérios, recuperou espaços degradados e abriu novas vagas. Em alguns cemitérios como o São José, no bairro do Trapiche, as covas eram tão rasas que, com o passar do tempo e a chuva, os corpos ficavam expostos. Os vexames motivaram Cristiano Lyra a aumentar a fiscalização.
A outra estratégia foi a implantação de novo modelo gerencial. Antes as vagas dos cemitérios eram dos bairros onde estão instalados, agora todas são do município.
"Os cemitérios estão integrados aos interesses do 1,2 milhão de habitantes da capital. Quer dizer: a gente disponibiliza a vaga no cemitério mais próximo possível da família que precisa enterrar um parente”, explicou Lyra.
Com esse ordenamento, são gerados, diariamente, 1.200 espaços nos oito cemitérios. As vagas são geradas com as remoções dos restos para os ossuários. Antes não havia esses “depósitos”. O controle está informatizado. Mediante a procura, rapidamente é identificado onde há disponibilidade de sepultamento mais próximo da família interessada. O gerenciamento dos cemitérios também é online.
DIGNIDADE
O novo gestor dos cemitérios afirma que o controle administrativo garantiu dignidade inclusive para as famílias em situação de extrema vulnerabilidade social. A Assistência Social do município, garante auxílio-funeral com caixão grátis, preparação do corpo, carro funerário e a isenção da taxa de sepultamento. “Em Maceió não fica ninguém sem sepultamento digno e acabou a peregrinação das famílias em busca de vaga”, afirmou Lyra.
Mensalmente, são sepultadas entre 350 e 400 pessoas na capital. Desse total, cerca de 100 famílias de mortos recebem o auxílio funerário municipal garantido pela Assistência Social para o sepultamento em mausoléu, covas ou gavetas. Nas últimas semanas, o número de mortes por coronavírus caiu radicalmente.
A maioria dos casos hoje é de comorbidades, acidentes, crimes e afogamentos. A taxa de sepultamento é de R$ 90,75. Para sepultamento em gaveta municipal há duas taxas: R$ 600,00 por três anos e a tarifa social de R$ 270 para as famílias em situação de vulnerabilidade social. Depois de três anos ocorre a remoção para o ossuário, que tem taxa anual de R$ 119,00. O administrador dos oito cemitérios ainda trabalha no levantamento e reorganização.
A gestão anterior não deixou nada consignado por causa das irregularidades que havia, confirmou Lyra. Um novo histórico está construído.
Fonte: Gazetaweb